Com o advento da Lei da Liberdade Econômica, aumentou-se a segurança jurídica dos empresários em relação à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica e consequentemente do atingimento de seu patrimônio por obrigações contraídas pela sociedade empresária.
A redação original do art. 50 do Código Civil se limitava a estabelecer que, para a desconsideração da personalidade jurídica, era necessário o “desvio de finalidade” ou a “confusão patrimonial”, sem, contudo, elencar os requisitos caracterizadores de cada uma dessas duas hipóteses. Por esta razão, abria-se um espaço interpretativo aos magistrados, o que ocasionava certa insegurança para os empreendedores em relação ao resguardo de seus patrimônios pessoais.
A Lei da Liberdade Econômica modificou esse cenário ao incluir, no art. 50 do Código Civil, os parágrafos 1º e 2º que dispõem respectivamente sobre a definição legal de desvio de finalidade e de confusão patrimonial. Segundo a nova legislação, o desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. A confusão patrimonial, a seu turno, é a ausência de separação de fato entre os patrimônios do sócio e da sociedade, caracterizada por cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa, a transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações (exceto os de valor proporcionalmente insignificante) e outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
Os novos critérios para a desconsideração da personalidade jurídica já estão sendo aplicados pelos tribunais pátrios, inclusive no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que recentemente tratou do tema no julgamento do REsp 1.686.162/SP.
A controvérsia enfrentada no caso diz respeito à decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que decretou a desconsideração da personalidade jurídica ao argumento de que a sociedade havia cometido desvio de finalidade, porquanto ocupava posição majoritária de empresa em falência com o único intuito de garantir o recebimento de um empréstimo. Por essa razão, sua atuação como sócia majoritária, ainda que omissiva, voltava-se exclusivamente para a satisfação de seu interesse patrimonial, o que não coincidia com o objeto social da empresa falida.
O voto vencedor, no âmbito do STJ, reverteu a decisão do Tribunal de origem ao argumento de que, à luz do que dispõe o parágrafo 1º do art. 50 do Código Civil, introduzido pela Lei da Liberdade Econômica, o desvio de finalidade deve estar alicerceado ao propósito de lesar credores ou à prática de atos ilícitos, o que não restou comprovado no caso. Isso porque o mero fato de alguém se tornar sócio majoritário de empresa em falência, sem participar de sua administração, não caracteriza desvio de finalidade, podendo agir pelos mais variados motivos.
O acórdão deixou claro que, para se caracterizar desvio de finalidade, neste caso, deveria ter sido provada fraude ou abuso de direito, o que não foi possível, já que, a despeito de ocupar posição majoritária, a empresa nunca participou dos atos sociais da falida, menos ainda na condição de administradora.
Portanto, do ponto de vista dos empreendedores, a Lei da Liberdade Econômica foi bastante positiva ao diminuir a margem interpretativa dos magistrados em relação às hipóteses de cabimento da desconsideração da personalidade jurídica, mediante fixação de critérios mais claros para que seja possível sua decretação.